30 de out. de 2010

Fanzine

Retirado da revista Offline e escrito por Matheus Nicolau de Souza
Achei esse texto o mais interessante sobre o tema que eu já li, por isso resolvi redigi-lo.



O Que É?

Fanzine é uma publicação independente, geralmente em formato de uma pequena revista, produzida por quem é fã de um determinado tema (o nome vem daí, da junção das palavras fantastic e magazine) ou por alguém que busca experimentar um trabalho próprio. O editor ou o grupo de editores do fanzine têm total autonomia de criação, sem pitacos ou direcionamentos de pauta vindos de um chefe de redação ou publisher. Produzidos inicialmente por fãs de ficção científica (o norte-americano Roy Palmer publicou em 1930 o primeiro fanzine de que se tem notícia. The Comet, para o Science Correspondent Club) que tratavam correspondências via correio com comentários sobre filmes, livros e matérias de autoria própria, as abordagens se diversificaram-se com o passar dos anos, promovendo produção de poesias, críticas de cinema, comentários e programas políticos ou até mesmo discussões sobre esoterismo ou vegetarianismo.

Davi, morador de rua e poeta nas horas vagas, divulga sua poesia na ululante Rua Augusta e, sobre a sua atividade, diz: "Há cerca de cinco anos passei por um longo período desempregado. Em 2006 fiz uma poesia chamada 'Venha-nos o amor' e comecei a divulga-lá na rua na inteção de que, se as pessoas gostassem dela, pudessem colaborar com o meu sustento". Instalado em uma lan-house e mundo de uma resma de folhas brancas para impressão, Davi foi à luta e hoje produz uma poesia com um quê concretista.

Cadu é ilustrador e divulga seu trabalho, feito em parceria com o colega Ricardo Marcelino, em sua página na internet. A dupla produz desde 2000 o Homem-Grilo, um super-herói que vive ne mística Osasco City. A trama, propositalmente cheia de clichês do mundo dos super-heróis, é publicada no www.homemgrilo.com. Além das tirinhas, o site conta com um loja virtual, que vende revistas e produtos relacionados ao personagens.


Primórdios no Brasil

Reservadas as devidas características, na tradição literária brasileira, os fanzines, na junção de palavras e imagens, e no formatos têm a sua origem associada aos folhetos de cordel, que com seu jeito singelo e peculiar ajudaram a construir a cultura popular nordestina, de influência árabe e, por meio de versos criados por uma gente sem formação literária específica, mas com aguçado senso crítico e profunda sensibilidade para os temas cotidianos.

Como publicações de baixo orçamento e triagens reduzidas, os fanzines sempre foram considerados primeiramente uma arte experimental, com foco num círculo específico de pessoas. O primeiro fanzine nacional,com as características que o definem atualmente, surgiu em 12 de outubro de 1965, de autoria do piracicabano Edson Rontani (1933-1997). O Boletim Ficcção, com tiragem de 300 exemplares distribuídos gratuitamente pelo correio, era datilografado e impresso em mimeógrafo (pequeno adendo: se você não sabe o que é um mimeógrafo, pergunte para sua mãe).

O Ficção trazia curiosidades, uma lista com quadrinhos produzidos no Brasil desde 1905 e até uma "banca de revistas", classificados anunciando a compra, venda e troca de gibis. Sua tiragem chegou a 600 exemplares e teve 12 edições - a última foi publicada em 1970 por ocasião dos 25 anos da editora Ebal. Em 1974 Rontani retomou a sua produção independente, batizada com um nome até então desconhecido no país - fanzine. Ele conta em entrevista realizada em 1995 pela revista Comix Club: "Eu enviava o Ficção para o exterior, e um grupo de colecionadores franceses mandou um comentário sobre o boletim, chamando-o de 'fanzine'. Assim, resolvi adotar a nomeclatura quando voltei a editá-lo".


Auge, decadência e retomada

Ainda no final dos anos 60 e início dos 70, na trilha do Ficção, tivemos o Boletim do Herói, criado em 1967 por Agenor Ferreira de Machado, no sul de Minas Gerais. Em 1970, Na Era do Quadrinhos despontava na Bahia; Historieta estreava no mesmo ano em Porto Alegre, editando por Oscar Kern; e em 1971, em São Paulo era lançado o Boletim do Clube do Gibi, de Sérgio Pereira. Considerada como o período de consolidação dos fanzines no Brasil, a década de 70 foi uma época fértil para o surgimento de diversas publicações, todas voltadas ao universo das HQs. Focalizando os Quadrinhos, De Olho nos Quadrinhos e Nostalgia dos Quadrinhos foram alguns representantes dessa leva. Desde então os fanzines nacionais começam a ganhar terreno, tanto pelo aumento do número de publicações, de páginas e volume de informação quanto pelo número de leitores.

O auge dessa publicações no Brasil foi atingido na década de 80. Dentre elas, podemos destacar o Quadrix , que abordava os quadrinhos nacionais; Hiperespaço, sobre ficção científica; Jornal da Gibizada , Fanzim, O Grupo Juvenil, O Pica Pau e Suplemento Quadrinhos tratavam das HQs das décadas de 40 e 50; Psiu e Polítiqua traziam produções voltadas à análise e com presença de temas políticos nos quadrinhos. A própria efervescência de acontecimentos sociais, políticos e culturais do período (tratado com o tradicional clichê de a "década perdida") justificavam, em grande parte, a quantidade de publicações no país. A partir do final dos anos 80 e início da década de 90, devido às dificuldades econômicas que o Brasil atravessava e, por consequência, à redução do orçamento de seus autores, a produção de fanzines diminuiu. A partir dos anos 90, a preocupação dos fanzineiros se volta aos aspectos ligados à quantidade e ao aumento de tiragens, já contando com processos gráficos mais acessiveis e nova expansão do mercado de leitores.


Amor pelos quadrinhos a fundo perdido

O fanzine não se preocupa, em primeiro plano, com projeção ou retorno finaceiro. O que vale é desenvolver um estilo com liberdade de criação e o principal - divir, trocar, ideias com outros apaixonados pelos mesmos temas. O cartunista Will, um dos criadores do site especializado em HQs independentes Quarto Mundo (www.quartomundo.com.br), dá o recado: "A função do fanzine é de permitir ao autor experimentar, mostrar o seu trabalho para o público".

Em terras nacionais, em especial, os temas que se consolidam na maioria das publicações estão relacionados às histórias em quadrinhos, reunindo artistas e apaixonados pelos HQs, charges, caricaturas e mangás. O paraibano Henrique Magalhães, um dos principais estudiosos do tema e autor do livro "O Reboliço Apaixonante dos Fanzines" (Marca de fantasia/Editora Universitária da UFPB), explica que "no Brasil, existem muitos fanzines ligados ao rock, ao punk, dentre outras vertentes musicais, mas eles servem apenas como suporte à divulgação e à crítica musical. Já os quarinhos, assim como os fanzines, têm na base de sua publicação e a divulgação o meio impresso. Essa relação com o papel entre ambos é que consolidou a temática".


Dá mão ao mouse

Os métodos de produção de um fanzine são variados. Além, de textos, podem conter colagens, desenhos e fotografias. Com a evolução das tecnologias de impressão, atualmente eles podem ser vistos e feitos por meio de sofisticados métodos de impressão como impressoras a laser e offset. Tudo isso depende, claro, dos recursos financeiros de quem se mete a fazê-los. Todas as estapas de produção - textos, ilustrações, diagramação, arte-final, impressão - são realizadas normalmente pelo próprio autor ou pelo grupo de autores.

Uma entrave para sua produção era relativo aos métodos de divulgação e distribuição. Os precursores do gênero dispunham apenas do correio e do "boca-a-boca" para tornar seus trabalhos conhecidos pelo público. Hoje, os tempos são outros. Os autores têm uma infinidade de ferramentas para a divulgação do seu trabalho via redes sociais, como Facebook, o Orkut, ou fóruns de discussão, que reúnem fanzineiros de todo o país em sites especializados.

Vitor Takaianagi, o "Bermuda", idealizador - junto com o parceiro "Calça" - do blog A Saga de 1000 Páginas (www.asagademilpaginas.blogspot.com) conta que migrou do fanzine impresso em papel para a internet, quando ainda estudava Cinema na FAAP em 2006, devido aos gastos com impressão e divulgação. Sobre os prós e contras da internet, Bermuda se vê (com perdão pelo trocadilho) pego de calças curtas: " A internet facilita muito a divulgação, porém o fanzine em papel permite um feedback mais direto. Na web, o relacionamento com o público fica um pouco vazio. Apesar dos inúmeros canais de comunicação existentes, nem todo o mundo comenta seu trabalho". Já Cadu, um dos personagens apontados no começo desta matéria, discorda dessa afirmação. Para ele, o problema não é a quantidade de redes sociais, mas sim a forma como cada uma delas é utilizada: "A internet oferece grandes possibilidadespara a divulgação do seu trabalho, basta aproveitá-las".


Futuros compartilhados

A evolução dos meios de comunicação e da produção de novas mídias gera discussões quanto ao futuro da informação impressa. Estaria o fanzine, como outros meios impressos, condenado à tela do computador? Segundo Janaína Capistrano, professora do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Tocantins e ex-fanzineira, "o fanzine tem a vantagem de poder sempre se reapresentar ao público, com periodicidade, novos formatos impressos e autores. É possível inovar dentro de sua proposta impressa porque a sua função social vai além das limitações do papel ou da importância que ganha o computador nas nossas vidas"

Indagada sobre o futuro dos fanzine, ela é pragmática: "Obviamente o meio será 'reciclado', mas ele não acabará somente por ser em papel. Seria preciso que ele perdesse totalmente a sua função social, que é sabiamente de contestação e divulgação daquilo que não é, nem quer ser absorvido pelos grandes meios". Janaína aponto que sempre encontraremos maneiras de expressar o que pensamos, projetando sobre e para a sociedade: "Nós fazemos isso o tempo todo, individualmente e coletivamente". Ela ainda deixa a seguinte pergunta : "O computador substituiria todos os outros meios de o ser humano se expressar?". O que parece ocorrer é que a tela e papel irão coexistir por um bom tempo e que o importante mesmo é "fanzinar".

2 comentários:

.Má. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
.raven. disse...

Oi, pessoas!

Vi num mural por aí a divulgação de vcs que me lembrou um amigo que conheci desse jeito... Uma divulgação num mural por aí. E, claro, aqui tem algo sobre fanzines. Vcs conhecem isso: http://fanzinotecamutacao.blogspot.com/? E aqui em Sampa tem rolado outro movimento: http://ugrapress.wordpress.com. Acho que vc gostariam de entrar em contato uns com os outros, caso não se conheçam ainda. Por hora, ando afastada dessa vida real, vivendo uma vida imaginãria que tem consumido meu tempo. Mas é bom saber que vcs existem. []s